Rural ocultou operações suspeitas
RUBENS VALENTEDA SUCURSAL DE BRASÍLIA Folha de São Paulo, hoje.
Uma das principais novidades trazidas pelo Ministério Público Federal em relação ao relatório final da CPI dos Correios foi o aprofundamento das investigações sobre o papel do Banco Rural na ocultação de operações bancárias consideradas suspeitas, incluindo os saques para pagamento de parlamentares aliados.A denúncia oferecida pelo procurador-geral Antonio Fernando de Souza revela que os investigadores do Ministério Público tiveram acesso a relatórios internos do Rural do tipo "conheça seu cliente". Souza cita como exemplo que o prefeito de Goiânia e ex-senador Íris Rezende (PMDB) girou R$ 3,88 milhões em sua conta bancária durante o mês eleitoral de outubro de 2004, embora a ficha do cliente indicasse uma renda de R$ 10 mil mensais.Movimentações de valores incompatíveis com patrimônio, renda ou ocupação do correntista devem ser informadas pelos bancos ao Banco Central e ao Coaf, unidade de inteligência ligada ao Ministério da Fazenda. O Coaf, se considerar haver indícios de crime, pode acionar a Polícia Federal ou o Ministério Público Federal.Rezende foi procurado ontem, às 20h, por meio da assessoria de imprensa da Prefeitura de Goiânia, mas não foi localizado. Sua assessoria informou que tentaria encontrá-lo para oferecer uma explicação sobre as movimentações em sua conta, mas isso não havia ocorrido até as 21h.Na denúncia, a referência a Rezende está no plural, "parlamentares", o que levanta a hipótese da existência de outras operações tidas como suspeitas e relacionadas a ocupantes de cargos eletivos: "Essas operações são, no mínimo, suspeitas, considerando a época em que ocorreram (próximas às eleições de 2004) e por tratar-se de parlamentares envolvidos, o que justificaria, por si só, vários desmembramentos da presente investigação".Segundo o procurador, o banco atuou para proteger determinados correntistas. Os investigadores do Ministério Público levantaram evidências de que o banco propositalmente deixou de informar ao Coaf que havia parlamentares ou assessores seus sendo beneficiados por saques das contas das empresas do publicitário Marcos Valério.Foram citados dois casos específicos. Em 17 de setembro de 2003, o banco sabia que R$ 300 mil sacados da SMPB destinavam-se a João Cláudio de Carvalho Genú, ex-assessor do líder do PP na Câmara, José Janene (PR), embora o cheque fosse nominal à própria SMPB. No dia seguinte, foram sacados R$ 50 mil por meio de outro cheque da SMPB. O banco sabia que o dinheiro era para o deputado Josias Gomes (PT-BA).Nos dois casos, no entanto, o Banco Rural informou ao Coaf que os cheques eram destinados a "pagamentos de fornecedores" da SMPB. E informou como beneficiária a própria SMPB, e não Genú e Gomes.O relatório do procurador também acrescenta dado novo, embora pouco esclarecedor, sobre os depósitos recebidos por Duda Mendonça na conta em Miami de sua empresa de fachada Dusseldorf. Duas das empresas "offshore" que injetaram recursos na Dusseldorf seriam controladas por doleiros: Glauco Diniz Duarte e Alexandre Viana de Aguillar.Não fica claro, a exemplo do relatório da CPI, se a Dusseldorf fez depósitos para outras pessoas beneficiadas por Duda Mendonça, o que indica que os dados informados pelas autoridades norte-americanas continuam incompletos.A denúncia é mais reveladora sobre a "offshore" Trade Link Bank, também fonte de depósitos para a Dusseldorf. O Ministério Público acusa o banco Rural de ser o dono oculto da "offshore". O banco tem tentado se desvincular da "offshore" porque ela está relacionada, além da conexão com a Dusseldorf, a inúmeras irregularidades apontadas pela CPI do Banestado.O relatório assinado por Antonio Fernando de Souza também inova ao qualificar os principais protagonistas do "valerioduto" como uma "quadrilha" que teria como objetivo manter o PT "no poder". No entanto, assim como a peça final de Osmar Serraglio, a denúncia sofre de uma contradição interna. Embora descreva uma organização estruturada com objetivo comum, elimina a figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, símbolo da expressão "PT no poder".