Márcia Denser* Acredito que agora, depois de 1º de julho de 2006, ficou claro para milhões de brasileiros o que significa colocar os interesses pessoais, monetários e egotistas acima de valores simbólicos tais como futebol-arte, coragem, amor à pátria, honra, orgulho ou dignidade. O efeito imediato de tal atitude foi dissolver e frustrar a esperança e a ilusão coletivas, bem como trair uma das mais caras tradições de todo o país, em escala sem precedentes. Porque nossa seleção entregou o jogo, não é mesmo? E futebol é um esporte de equipe, mas uma equipe não é a mera soma de valores individuais, antes exige a integração harmoniosa do todo como condição "sine qua non" para fazer valer o talento pessoal. Para aqueles que defendem ardorosamente essa cultura do dinheiro e do lucro pessoal como valor máximo da civilização, a ser ensinada a seus filhos e netos e bisnetos, também deve ter ficado claro até onde pode chegar o neoliberalismo futebol clube, isto é, a parte alguma. Agora ficou claro o que significa a privatização de valores coletivos tais como "futebol-arte" e "nacionalismo"? Assim como a arte, o futebol define-se por uma cultura e uma prática cumulativas, que implica tradições (as gloriosas), precedentes, aperfeiçoamento ao longo do tempo, quando então a quantidade de craques dá saltos qualitativos em grupos e gerações, representados por equipes com as da Hungria da Copa de 54 ou da Holanda de 74, que não ganharam a Copa mas ficarão para sempre na memória coletiva, ou a do Brasil de 70, que ganhou inquestionavelmente, a despeito do regime militar. E este é o resultado nulo de um "futebol de resultados", porque não só em futebol como em tudo na vida, importa o processo, o encadeamento de ações e motivações, o desenrolar dos fatos que determinam o julgamento histórico se tais fatos foram realmente vitórias ou derrotas. Porque em nossos dias, o julgamento da História é imediato e coletivo. |