Agência Estado
O censo comum costuma ver São Paulo como uma metrópole cinza, sisuda e sem muita graça. Ou melhor, sem humor. Para contrariar essa idéia, que nasceu com os modernistas, a antropóloga Paula Ester Janovitch recupera a história da cidade na belle époque e nos apresenta um belo registro de época em 'Preso por Trocadilho' (Alameda, 389 págs.), escrito com leveza e, claro, com muito humor. O livro reúne caricaturas raras e apresenta um pouco da imprensa irreverente de 1900 a 1911.
'Preso por Trocadilho' é o resultado de vários anos de pesquisa de Paula. A antropóloga assinou o roteiro do documentário 'São Paulo de Juó Bananére' e o CD-ROM 'Paulicéia Scugliambada'. 'Esses trabalhos foram os primeiros passos para a pesquisa de doutorado, cujo foco está na linguagem irreverente da imprensa paulistana', diz. Quando começou a escrever o roteiro do documentário foi até o Instituto Histórico e Geográfico para procurar referências sobre a época. 'Fiquei impressionada com o volume de revistas e jornais de humor que eram lançados em série. Contei cerca de 50 veículos diferentes.'
Fonte abundante para pesquisas e um garimpo de informações. Por um ano, a pesquisadora escolheu ilustrações e textos que descreviam uma São Paulo provinciana, que se assombrava com o crescimento galopante. Essa pequena imprensa foi testemunha da fermentação cultural do período. Como destaca o professor Elias Tomé Saliba no prefácio da obra: 'Trata-se de um livro divertido e cheio de empatia, alegremente engajado na reconstrução deste importante e esquecido capítulo da história da imprensa paulistana, que nos leva a repensar muitos daqueles estereótipos e lugares-comuns.'
A autora apresenta uma imprensa voltada ao irreverente, à crítica e aos fatos circunstanciais. Uma produção vasta, porém de vida efêmera. 'As revistas e os jornais nasciam sabendo que iriam morrer em breve. Sobreviviam a poucas edições e o mais curioso é que quando morria um, logo nascia outro no lugar. A produção era intensa.' A diversidade era uma marca dessa imprensa nanica.
'Eu entendo que esses jornais zombeteiros faziam um contraponto à grande imprensa. Eles propunham uma leitura crítica, ao mesmo tempo divertida, das informações e da forma como as notícias eram veiculadas nos grandes jornais da época, como Diário Popular', analisa. Para Paula, esses pequenos jornais faziam da imprensa um personagem, ao mesmo tempo que estavam preocupados com a linguagem, com a presença de novos elementos nos meios de comunicação como a fotografia, a política e as transformações urbanas. 'Esse era um espaço de liberdade, um oásis para os jornalistas e caricaturistas. Na grande imprensa eles tinham o salário, mas nessas revistas e jornais eles podiam criar. ‘O Pirralho’, de Oswald de Andrade, brincava com a linguagem e já antecipava o modernismo.'
A voz dos imigrantes italianos e alemães e o sotaque caipira da cidade está presente na oralidade dos textos. O livro apresenta correspondências e textos em linguagem macarrônica, uma brincadeira que mistura o português com o italiano, ou vice-versa.
Apesar dessa aparente liberdade, o humor muitas vezes estava associado ao mau gosto. Os paulistanos gostavam de piadas, no entanto, ninguém queria ser o palhaço no picadeiro. Muitos caricaturistas assinavam com pseudônimos, como é o caso de Juó Bananére, nascido Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, que também se auto-intitulava 'barbieri i giurnaliste'. Os assuntos abordados eram circunstanciais.